De acordo com a Agência Brasil, até o fim de 2024, o IBGE promete estimar o tamanho da população trans, travesti e binária do Brasil. Enquanto não contamos com dados oficiais sobre, no resta levar em consideração outras pesquisas, como esta realizada pela Faculdade de Medicina de Botucatu da Universidade Estadual Paulista na América Latina, em 2021, que aponta a existência de pelo menos 2% de pessoas trans na população brasileira.
Se fizermos uma rápida pesquisa sobre o termo “transexualidade” em portais de notícia, grande parte dos resultados de busca gira em torno de temas como “redesignação sexual”, “readequação do sexo”, “tratamento hormonal”, “transfobia em serviço público”, “visão médica sobre intersexualidade” e afins.
Percebe-se aí que, embora a transexualidade tenha deixado de ser considerada um transtorno mental pela OMS (Organização Mundial de Saúde), o assunto ainda é tratado pela mídia sob o caráter médico, enfatizando a intervenção técnico-científica como um tratamento, tal como preconiza a portaria 457 de 2008, do Ministério da Saúde, e correndo ao encontro de outro tipo de patologização médica, deixando escapar as subjetividades escancaráveis.
Nessa seara de matérias técnicas, uma do portal Nexo chama atenção; ela se intitula “Redesignação do sexo: a mudança física em busca da saúde mental” e tem como personagem central uma mulher que, segundo conta, desde os 06 (seis) anos de idade se incomodava com a genitália masculina.
A matéria repercute os dramas e conflitos enfrentados pela mulher em sua jornada de autodeterminação de gênero, ao que o jornalista chama de luta por assumir a própria identidade. A personagem ainda declara: “Eu falava ‘preciso operar porque preciso me sentir completa’”.
No decorrer, ainda somos apresentados a outro personagem, que compartilha: “Não é a cirurgia que faz você mudar seu gênero, ela é apenas uma adequação para você se tornar inteligível na sociedade”.
Mesmo que a matéria repercuta apenas um aspecto dessas pessoas trans, destaco as duas falas justamente porque é observável, sim, o anseio por um corpo contingente desses sujeitos. Assim, como nota-se a promessa de abafamento de uma angústia frente a padrões normativos da sociedade. Um órgão ora se torna o significante de incompletude, ora se torna um parâmetro identificatório.
Tal qual o Estágio do Espelho de Lacan, em que o sujeito se transforma quando ele assume uma imagem, é possível notar que a transexualidade vai além da transformação do sexo e do gênero - o que já é muito, mas não o suficiente - para se identificar com o Outro. É também uma posição de gozo em busca pelo reconhecimento do Outro.
Para psicanalistas, uma saída do campo médico técnico está em percorrer tais itinerários singulares e subjetivos, admitindo os efeitos psíquicos que o não-reconhecimento gera no sujeito transexual; ou, ainda, considerar qual relação simbólica o corpo intermedia, que leva o sujeito a confundir o órgão ao significante recorrendo à passagem ao ato, com a cirurgia no Real.
É como se abríssemos a possibilidade de situar o sujeito trans no seu gozo, social e culturalmente construído, para além do que a medicina, a psiquiatria, a tecnologia, a mídia e outros conduziram a transexualidade até agora. Haveria algo de mais contemporâneo e salutar que isso?
Posto que não é tão simples, ainda assim não podemos escapar!
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